O Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Amazonas (MP/AM) expediram uma recomendação à Secretaria de Estado de Saúde do Amazonas (Susam), para que profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS) – que realizam atendimento de casos de interrupção legal de gravidez – recebam novas orientações.

A recomendação foi motiva pela edição da Portaria nº 2.282, do Ministério da Saúde, que dispõe sobre o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei no âmbito do SUS.

A nova norma prevê a obrigatoriedade de notificação à autoridade policial dos casos em que houver indícios ou confirmação do crime de estupro – medida que deve ser tomada pelo profissional de saúde que realizar o atendimento da vítima. Para o MPF e o MP-AM, a recomendação só deve ser feita para fins estatísticos, para formulação de políticas públicas de segurança e para policiamento, sem informações pessoais – exceto com o consentimento expresso da vítima, para que o crime seja apurado pela polícia.

De acordo com o documento, os profissionais de saúde também devem se abster de oferecer às mulheres que buscam interromper gravidez resultante de estupro a possibilidade de visualização do feto ou embrião por meio de ultrassonografia. O ato foi considerado como desnecessidade clínica e potencialmente uma violência psicológica e institucional contra a vítima.

A medida desaconselhada pela recomendação também está prevista na portaria do Ministério da Saúde.

Outro ponto recomendado pelos Ministérios Públicos é a orientação às mulheres que buscam atendimento para interromper gravidez resultante de estupro sobre a real probabilidade dos riscos descritos no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, de acordo com cada caso concreto. O intuito é de que esta etapa do procedimento não venha a se tornar um obstáculo ou constrangimento à autonomia da vítima.

O MPF e o MP/AM também requereram à Susam que oriente os profissionais do SUS responsáveis pelo atendimento para interrupção da gravidez a realizarem o procedimento de maneira humanizada e em respeito aos direitos das pacientes.

Além do Amazonas, também expediram recomendação no mesmo sentido o MPF nos estados do Acre, Amapá, Espírito Santo, Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Rondônia, Sergipe, Tocantins e Bahia.

O documento fixa o prazo de 15 dias, a contar do recebimento da recomendação, para manifestação acerca do acatamento de termos estabelecidos.

Violência obstétrica

A atual portaria do Ministério da Saúde foi editada logo após o recente caso de uma criança de 10 anos que engravidou após ser estuprada por um familiar, o que gerou pressão por parte de pessoas e grupos contrários ao aborto mesmo em casos de estupro. O domicílio da família chegou a ser invadido e a vítima teve sua identidade divulgada.

No Brasil, uma porcentagem expressiva das pacientes que buscam a interrupção da gravidez em caso de violência sexual são crianças e adolescentes. Conforme dados citados na recomendação conjunta, em 2016, cerca de 51% dos casos de estupro no país vitimaram crianças com menos de 13 anos de idade.

O documento destaca que as medidas editadas na portaria do Ministério da Saúde podem configurar violência psicológica sobre as vítimas.

Além disso, mulheres que passam por violência durante procedimento para abortar também podem ser incluídas nas estatísticas de casos de violência obstétrica. O fato consiste na ação ou omissão direcionada à mulher durante o pré-natal, parto ou puerpério, que cause dor, dano ou sofrimento desnecessário à mulher, praticada sem o seu consentimento explícito, ou em desrespeito à sua autonomia.

Em 2017, a atuação do MPF sobre a violência contra a mulher resultou na criação do Comitê de Combate à Violência Obstétrica no Amazonas. O comitê reúne instituições comprometidas, dentro de suas estruturas e funções institucionais, e tem articulado e implementado diversas ações conjuntas para a conscientização e resguardo dos direitos das mulheres durante o pré-parto, parto e pós-parto.

Fonte: Em tempo