Nos últimos anos, o Amazonas tem atingido marcos importantes para a diversidade nas artes. Tanto com a música, o cinema, o teatro, a dança e outros cenários artísticos, muito já se fez para a evolução e reconhecimento da produção cultural no estado.
No entanto, ainda há muito chão a ser percorrido para atingir todo o potencial que a terra baré oferece, e a pandemia surgiu como um obstáculo a mais nesse trajeto. O produtor cultural do Movimento Pirão-AM – que visa à democratização da música autoral independente do estado -, Denis Thaumaturgo, sustentou a afirmação.
Responsável por diversos outros projetos em Manaus, ele ressaltou como a pandemia prejudicou o setor de eventos e atividades culturais, um dos primeiros a parar, e um dos últimos a voltar.
“Como sabemos, foi um dos setores mais afetados, já que cinemas, teatros, museus e espaços culturais não podem realizar atividades sem um público – algo que foi completamente vetado. Também há uma ironia, pois ao mesmo tempo que fomos impactados, vimos como os artistas são essenciais para alimentar a alma e contribuir para a saúde mental da população”, afirmou.

A necessidade mútua dos artistas e das pessoas que consomem a arte também impactou no sustento desse público, de acordo com Denis. “O que vem salvando os artistas e produtores são os editais que foram lançados pela prefeitura e governo. Não resolvem o problema totalmente, mas ajudam muito. Dessa maneira podem se reinventar elaborando projetos que possam ser executados de forma virtual e receber por isso”.
No entanto, a alternativa on-line, que atingiu uma alta nos primeiros momentos de pandemia, acabou ficando para trás quando o isolamento social acabou se arrastando por diversos meses e o formato deixou de ser novidade. “A única esperança é a vacina”, disse Thaumaturgo.
Dados culturais
Os dados mais recentes sobre esse cenário – e que mesmo assim já se mostram desatualizados – são de 2018, através do trabalho de pesquisa do autor Antonio Carlos Junior em “Não é só edital – uma visão sobre a produção cultural amazonense”.
Em entrevista ao EM TEMPO, Carlos Junior compartilhou pontos levantados no livro, além dos dados sobre esse cenário em Manaus. Apesar da pesquisa não abranger a totalidade dos espaços do estado, é uma visão realística desse cenário.

“Sempre tem algumas perguntas que rolam nas conversas entre os profissionais sobre produção cultural, como: ‘nunca tem dinheiro para produzir’ ou ‘não dá para vender ingresso porque há muita oferta de ações gratuitas à população’. O que quero mostrar são dados e não verdades absolutas. A partir dessa visão particular abrir um caminho para discussão”, afirmou o artista sobre a obra.
Um dos pontos levantados na publicação foi a cultura digital, que desde então vêm apresentando um movimento fervoroso no Brasil, mas ainda muito tímido no Amazonas – algo que poderia ter sido útil na pandemia. “Há muito a ser feito”, declarou Antonio.
Nos dados levantados, a movimentação da cultura se mostrou centralizada no Centro de Manaus, outro fator que também mostrou a falta de esforço para levar a arte a espaços periféricos.

“Mais de 70% dos eventos e apresentações se focaram no Centro, enquanto apenas 2% eram realizados na zona Leste de Manaus”, revelou.
Grande desafio
Jornalista e produtora cultural, Wanessa Leal defende que, durante a pandemia, um trabalho que normalmente exige movimento, contato, ir e vir a muitos lugares e conversar sempre com muitas pessoas virou um grande desafio para a classe artística.
“Nesse contexto de pandemia, conseguir cumprir todas as demandas como reuniões que não podem ser virtuais, necessidade de visita técnica, protocolização de ofícios em instituições públicas e da iniciativa privada, entre outros, é muito difícil”, explicou.
Outra preocupação que Wanessa destacou como essencial, é a utilização de máscara, com uma frequência alta de troca, e a higienização dos espaços de reuniões, além de limitar o número de acessos. “Infelizmente, podemos reduzir o número de dias para sair de casa, mas não conseguimos não sair de casa”.
Adaptação

Mesmo diante de todos esses contratempos, a adaptação ao “novo normal” tem ultrapassado barreiras. Afetada em cadeia, a produção cultural recebeu ajuda de redes de apoio da própria organização civil da sociedade que foram muito importantes, de acordo com Wanessa.
“Após uma luta de várias classes, conquistamos a Lei Aldir Blanc. Sem dúvida, foi um impacto positivo para toda essa cadeia produtiva da cultura que estava sem perspectiva. Além, é claro, de iniciativas da Secretaria de Cultura e Economia Criativa (SEC), como a distribuição de cestas básicas e apoio psicológico, assim como outras entidades que se mobilizaram nesse sentido, como a própria Fundação de Cultura, Turismo e Eventos (Manauscult)”, reconheceu a produtora cultural.
Apesar desses esforços, Wanessa destacou que a Lei Aldir Blanc “não é e nem pode ser um ato positivo que se encerra em si mesma. A pandemia ainda não acabou. Então, é importante oferecer condições de trabalho”.
Enquanto isso, espero, sinceramente, que haja um olhar sensível e responsável dos gestos culturais da cidade, para que se empenhe em buscar soluções e alternativas que se apliquem ao momento que ainda estamos vivendo
Foto: Alonso Júnior
Wanessa Leal, jornalista e produtora cultural








