Brasil – Uma mulher transexual denuncia que sofreu preconceito na academia onde treinava em Peruíbe, no litoral de São Paulo. De acordo com Paola Bandeira, de 26 anos, o proprietário reclamou, por meio de uma conversa mediada por uma advogada, de ela usar o banheiro feminino, do jeito dela falar e, também, das roupas que usava para treinar.

A advogada relata que apenas foi contratada para mediar a conversa e “tentar apaziguar a situação”, mas que não foi preconceituosa, assim como o dono do estabelecimento também não.

Paola conta que é baiana e mora há três anos em Peruíbe. De acordo com ela, logo que chegou na cidade começou a treinar na academia, mas o proprietário inicialmente era outro rapaz. Segundo diz, desde que o dono do estabelecimento mudou, ela passou a sentir que era tratada diferente das outras pessoas, por ser uma mulher transexual.

“Um dia, deu problema na catraca, eu já tinha pago e pedi para ele resolver, mas ele disse que não podia fazer nada. Depois de um tempo ele chegou a querer que eu saísse da academia e eu sai, mas acabei voltando. Mas ele sempre reclamou de eu falar “racha” e chamar minhas amigas de “gostosas”. Só que expliquei que “racha” era um vocabulário da Bahia e que minhas amigas não ligavam de eu chamar elas de gostosas. Até que um dia ele me chamou para uma salinha, com uma advogada, para conversar”.

Durante a conversa, que foi gravada, a advogada levantou alguns assuntos, que, segundo ela, foram ditos à pedido do proprietário da academia. No vídeo, registrado por amigas de Paola, é possível ouvir um trecho da conversa:

Advogada: “Toda academia tem suas regras. Porque tem pessoas de vários tipos religiosos, pessoas evangélicas. […] Como você bem sabe, aqui não há discriminação, tanto é que ele [dono da academia] aceita pessoas de todos os gêneros. Só que é o seguinte, toda academia tem suas regras. […] Mas seu comportamento não é adequado a academia, pela vestimenta, pela maneira de falar, porque cada um tem seu palavreado né, seu jeito, só que as vezes dentro de um local temos que pensar nas palavras, porque como tem pessoas evangélicas aqui dentro”.

Advogada: “E uma coisa que eu gostaria também Paloma, desculpe até perguntar. Eu sei que você é bonita, uma pessoa […]”

Paloma: “Eu sou transexual, o nome, com nome trocado também em cartório também”.
Advogada: “Mas você chegou a fazer cirurgia?”

Paola: “Cirurgia não, por enquanto não, por ser muito caro”

Advogada: Sabe porque tô falando, porque é o seguinte, como você tem o órgão genital masculino, se fosse uma pessoa com cirurgia podia estar usando o banheiro das mulheres. Mas pelo fato de você ter o órgão masculino isso impede que você use, porque outras pessoas né, aqui pode ter senhoras.

Paola: “Minha frustração fica aonde?”

Pouco depois o proprietário diz na conversa que não tem preconceito contra ela, mas que ficava incomodado com algumas palavras que ela dizia às amigas, como “gostosa” e “racha”, afirmando que são palavras que não condizem com um ambiente familiar. Ele cita também que ela o disse palavras ofensivas. “Se ela fosse o dono da academia, por problemas pessoais e não discriminando ninguém, jamais aceitaria uma pessoa assim aqui”, disse.

Segundo Paola, a conversa a ofendeu e ela se sentiu vítima de transfobia. “Na hora que sai na academia esse dia, cai em lágrimas, porque foi muito dolorido para mim. Me senti oprimida, humilhada. Eu me senti uma criminosa sendo julgada. Aí fui na delegacia, registrei boletim de ocorrência. E ele [dono da academia] não reclamava só de vocabulário, mas também das minhas vestes, eu não podia usar shorts”, afirma.

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) informa que a denúncia de Paola contra o proprietário da academia é investigada por meio de inquérito policial instaurado pelo 1º DP de Peruíbe. As partes e testemunhas foram ouvidas e diligências prosseguem em busca de elementos que auxiliem no esclarecimento dos fatos.

Além disso, o advogado Renan Gutevein Fernades Pereira, que representa Paola, explica que há um processo correndo na área cível, em que ele pede indenização por danos morais e materiais por tudo que ocorreu. O processo está em segredo de Justiça.

Advogada

Por meio de telefone, a advogada que aparece no vídeo relata que apenas foi prestar um favor ao dono do estabelecimento, e trouxe à tona na conversa pontos levantados à pedido do proprietário da academia. “Ele pediu que eu ajudasse na conversa porque relatou que vinha sofrendo transtornos com a Paola porque ela usava palavras de baixos calões e que ela o ofendeu moralmente, devido a algo que disse a ele”, cita.

A advogada afirma que tratou Paola com muito respeito durante toda a conversa. “Eu sou ligada a muitos projetos sociais, tenho vários amigos e amigas homossexuais e da minha parte nunca tive preconceito nenhum, inclusive porque na família também tenho caso. E sempre os tratei com muita dignidade. Eu imagino que ela passe preconceito em muitos lugares, e deve ser difícil para ela, mas não agi dessa forma. Eu até a elogiei e disse que era uma mulher bonita”, afirma.

De acordo com ela, sobre o banheiro, fez apenas uma sugestão e não a discriminou. “Jamais eu iria discriminá-la. O problema era entre ele [dono do estabelecimento] e ela. No dia, como só tem o banheiro “ele” e “ela” e a Paola tem o órgão masculino eu apenas sugeri sobre isso, para que de momento ela usasse o banheiro masculino para não causar problema para as outras pessoas, porque lá tinha pessoas de idade, até que ele resolvesse a questão de um terceiro banheiro. E expliquei que também estava ali porque ela havia o ofendido moralmente e ela até disse que realmente fez isso e pediu desculpa a ele”, afirma.

Por fim, a advogada afirma que o proprietário do estabelecimento nunca discriminou Paola, porque ele a aceitou de volta na academia diversas vezes. “Não houve nenhum tipo de discriminação, nem da minha parte e nem da dele. A reunião foi mais pelas palavras que ela falava na academia e as vezes as roupas que ela usava, pelo fato de ter um órgão masculino, ele dizia que em alguns exercícios dividia muito e as pessoas viam”, diz.