Manaus – “Pensei que seria uma conquista para minha carreira profissional, mas ver de perto como ele era foi uma frustração e pesadelo (…) Ninguém tinha coragem de denunciar a verdadeira conduta desse homem”, o relato em tom de lamentação e revolta é de um funcionário da Caixa Econômica Federal lotado em Manaus que afirma ter vivido momentos de constrangimento, pressão e preconceito durante uma das visitas do ex-presidente da Caixa Pedro Guimarães às agências bancárias e lotéricas situadas no interior Estado do Amazonas.

O ex-gestor pediu demissão do último dia 29 de junho após ser acusado de assédio sexual por funcionárias de outras localidades.O servidor que trabalha na Caixa Econômica há dez anos pediu para não ser identificado por medida de segurança, o mesmo integra uma lista de funcionários que relatam ter presenciado o comportamento de Pedro Guimarães classificado, por ele, como “intimidador”. O grupo de bancários está entrando com uma ação na Justiça alegando assédio moral e homofobia, devido às atitudes do ex-presidente da instituição bancária.

‘Não fale, não toque, obedeça!’

Segundo o funcionário, em outubro de 2020, ao vir para Amazonas, mais precisamente para o município de Manacapuru (distante 102.7 quilômetros de Manaus), para participar do evento “Caixa mais Brasil”, evento que tem como intuito a aproximação da alta gestão da Caixa com a população e beneficiários de auxílios do governo federal, o então presidente à época fez uma série de exigências “estranhas” durante a estada no local. Conforme relatos de um dos servidores, os constrangimentos começaram já na chegada de Pedro Guimarães ao município.

“Ele já chegou falando alto e sempre proferindo bastante palavrão. A recomendação continuamente reforçada pela equipe dele era para que não falássemos com ele caso não nos dirigisse a palavra, não tocar nele, nem mesmo para cumprimentá-lo, apenas se ele deixasse e, também, para que falássemos apenas o necessário”, relembra o servidor, que foi obrigado a deixar o local de trabalho pelo qual era responsável por conta da ordem do ex-presidente, contrariando, inclusive, as normativas da empresa.

“Temos um barco utilizado como agência, ele fica três dias em cada município do Estado a postos para população que precisa dos serviços bancários. Quando trabalhamos no barco-agência, é norma da empresa que os funcionários devam permanecer no local adaptado para nos acomodar após o expediente”, explica o gerente.

“A equipe do então presidente fez com que eu e mais um colega nos retirássemos para um hotel, pois a exigência era que só equipe dele ficasse no ambiente, sendo que havia acomodação para todos. Por sorte, um conhecido havia saído do quarto de hotel antes do previsto para retornar a Manaus e eu não fiquei na rua“, conta o servidor relembrando que os hotéis estavam cheios naquele período por conta do evento “Caixa Mais Brasil“.

Conforme o funcionário que apresentaria a agência-barco para o superior, ele e um colega precisaram se esconder em um quarto da tripulação para não serem vistos pelo então presidente. “No dia que ele ia embora, ele saiu de manhã com a comitiva dele para fazer algo, mas voltou mais cedo por alguma razão, saímos desesperados e nos escondemos em um quartinho em meio a um colchão e roupas em um varal. Passamos cerca de meia hora lá dentro porque não poderíamos ser vistos em nosso próprio local de trabalho. Não fazia sentido”, revela.

‘Jantar de absurdos’

A passagem de Pedro Guimarães por Manacapuru não se resumiu a exigências “estranhas”, de acordo com o funcionário da Caixa, para piorar a situação tensa desde o início da programação, em um jantar que, em tese, seria em homenagem e reconhecimento aos funcionários de destaque que atuavam como linha de frente no atendimento aos beneficiários do auxílio emergencial durante a pandemia, o ex-líder surpreendeu a todos quando pediu para trazerem a “surpresa” encomendada por ele.

“Ele simplesmente chamou a moça que trabalhava no local do evento, pediu a tal surpresa preparada para nós, foi quando ela veio com uma bacia cheia de pimenta vermelha amassada. Pimentas colocadas por ele mesmo no prato de cada um que alí estava. Enquanto ria, ele observava para ter certeza de quem estava comendo as duas conchas de pimentas que ele mesmo fez questão de servir. E ai de quem reclamasse“.

Homofobia

O servidor da Caixa afirma que durante o jantar de reconhecimento, nem mesmo a diretoria local e o vice-presidente foram poupados do ocorrido. O evento também foi marcado por comentários homofóbicos na frente de todos

“Neste momento, eu que estava sem ação como todos ali, resolvi pingar limão na comida para ver se conseguiria comer, neste momento ele olhou pra mim e questionou se eu era ‘um bambi ou são-paulino’, se eu queira trocar de mesa pois a mesa dos frescos, era a mesa ao lado’ Ou seja, o que era pra ser um momento de celebração e gratidão, virou algo absurdo, sem precedência e humilhante. Ninguém tinha reação com medo de represálias”.
O funcionário o também conta que apenas as mulheres poderiam sentar-se ao lado de Guimarães e nunca os homens. Conforme o relato, era “notório o comportamento malicioso do então chefe com o gênero feminino“. Segundo o funcionário, uma das colegas de profissão foi abordada por Pedro de maneira inadequada enquanto o jantar acontecia. “Ele chegou puxando pela cintura, pegando com malícia mesmo e saiu levando a moça para dançar, para um primeiro contato, aquilo foi totalmente inadequado e o desconforto dela era nítido, inclusive ela comentou depois sobre a situação“, diz um dos gerentes que prefere não se identificar.

Autopromoção

Em fevereiro de 2022, Pedro Guimarães volta ao Estado do Amazonas para dar continuidade à agenda “Caixa Mais Brasil”. Desta vez o destino era Codajás (distante 240 quilômetros da capital) e, segundo outro funcionário, que também participou da programação no município anterior, a postura de Guimarães era mesma.

De acordo com o funcionário, que atua na gerência da Caixa, pelo programa “Caixa Mais Brasil”, ao ter como foco a interação dos servidores do banco com a população mais humilde, o presidente fazia da agenda uma espécie de “autopromoção” e propaganda para o Governo Federal.

“A equipe dele pediu pra gente achar de dez a vinte pessoas que receberam algum tipo de benefício social, para que eles dissessem o quanto isso os ajudou na pandemia. Toda viagem eles fazem isso, com fotógrafos sempre registrando para vender a aparência de algo humanizado, mas não é. Era um marketing constante, ele chegou a comentar por várias vezes que era amigo do presidente da república, Jair Bolsonaro“, destaca.

Perseguição

Nesse período, um jantar também foi oferecido aos servidores da instituição, porém, o gerente conta que desta vez não foi convidado como anteriormente, e descobriu o motivo somente tempos depois em um compromisso de trabalho a caminho de Brasília, durante conversa com outros colaboradores.

“Eu era único da equipe em Codajás que tinha participado daquele show de horrores em Manacapuru, então fiquei tenso quando soube que teria outro jantar, quando vi que fiquei de fora, na hora foi uma alívio, nem liguei. Dois meses após a visita dele em Codajás, colegas me confessaram que eu teria sido excluído do jantar por ter publicado posts contra a atual presidência de república no meu facebook. Eles foram olhar meu perfil minhas redes sociais e, pelo que entendi, mesmo sendo algo pessoal não poderia ter nenhuma postagem contra o atual presidente do País”, revela o profissional que por recomendação dos colegas de trabalho, desativou sua conta ainda no aeroporto para não correr o risco de ser barrado no evento em Brasília.

Assédio Moral

Conforme a explicação da advogada dos profissionais, doutora Nicole Torres, as atitudes do ex-presidente, configuram claramente que o assédio moral era um modelo de gestão de Pedro Guimarães. Segundo a advogada, “o comportamento reiterado, a gestão pautada na grosseria, na pressão, tensão e palavrões em todos os ambientes reforçam o assédio cometido por ele.

Nicole destaca ainda o crime de homofobia sofrido por um dos colaboradores considerado “gravíssimo” além da perseguição política. “A constituição assegura que ninguém e nenhum trabalhador deve ser discriminado por contas das suas escolhas políticas e nesse caso fica muito claro que houve essa perseguição bem como a questão da homofobia. Todo comportamento reiterado que tenha intuito de humilhar, constranger de colocar o trabalhador numa situação vexatória pode ser considerado como assédio moral” explica.

Ação judicial

A ação judicial em busca da reparação dos danos morais sofridos pelos trabalhadores, deve ser apresentada na próxima semana. De acordo com a jurista, como Pedro Guimarães não é mais o presidente da Caixa Econômica Federal, ele não já não responde mais de forma administrativa dentro da empresa. porém, deve prestar conta diante de todos os processos que estão sendo ajuizados contra a gestão dele.

A advogada destaca que a Caixa é quem vai responder por todos os danos que Guimarães causou enquanto ocupava o cargo na presidência da empresa. “Isso porque ele, na condição de presidente, agia em nome da Caixa e devemos lembrar que a Caixa é uma empresa pública, e por isso, deve se pautar no princípio da legalidade, da impessoalidade, respeito, urbanidade, coisa que ele não transparecia“, ressalta.

A advogada diz esperar que a própria Caixa busque reparações com Guimarães por conta dos prejuízos causados por ele, não para a empresa mas para todos os brasileiros. “Imagina a quantidade de processos por danos morais, assédios que vão estourar por conta disso que a Caixa terá que suportar e, sendo ela uma empresa pública, quem também está suportando esse prejuízo são todos os brasileiros. Espera-se que ela busque a reparação com ele, após comprovar que sofreu um prejuízo pelos atos irregulares de Pedro. E eu realmente espero, até como cidadã, que isso seja reparado e não saia barato pra ele“, salienta Nicole Torres.

Pedro Guimarães renuncia

No dia 29 de junho, após ser acusado de assédio sexual por funcionárias das unidades bancárias, Pedro Guimarães anunciou a saída do cargo de presidência. A saída de Pedro que estava no cargo desde o início do atual governo, em 2019, foi acompanha de uma carta aberta publicada nas redes sociais.

No texto, o ex-funcionário nega as acusações de assédio e reclamações voltadas a própria gestão e afirma ser uma “ acusação cruel, injusta e desigual que será corrigida na hora certa com a força da verdade“, escreveu.

No lugar de Guimarães, entra a atual secretária de Produtividade e Competitividade do Ministério da Economia , Daniella Marques, que também foi chefe da Assessoria Especial de Assuntos Estratégicos de Paulo Guedes.
Caixa Econômica Federal
Com mais de 160 anos, a Caixa Econômica Federal é uma instituição financeira brasileira, sob a forma de empresa pública, com patrimônio próprio e autonomia administrativa com sede em Brasília, no Distrito Federal, e com filiais em todo o território nacional.

Por ser responsável pelo atendimento e pagamento de benefícios como o Auxílio Brasil e tantos outros benefícios já existentes além do gerenciamento de financiamentos imobiliários, voltados principalmente para pessoas de baixa renda, a empresa é conhecida por “exercer” um papel social mais forte do que as outras instituições bancárias do país.

Posicionamento

A REVISTA CENARIUM entrou em contato com a assessoria de comunicação da Caixa Econômica Federal, por meio de e-mail, solicitando um posicionamento do órgão sobre as acusações de funcionários lotados no Amazonas.

Na demanda, além de questionar o que a Caixa tem a dizer sobre as denúncias, a reportagem solicitou qual o posicionamento do órgão em relação aos funcionários que se identificam como homossexuais e se há alguma restrição caso estes queiram trabalhar na empresa.

A CENARIUM perguntou, ainda, quais normas a empresa segue quando a equipe diretora visita cidades brasileiras, se os funcionários são separados por gênero e se seervidores do gênero feminino são determinados a sentarem sempre ao lado de homens.

A assessoria respondeu pedindo um número de telefone e um contato da redação, no que foi prontamente atendida, e solicitando um prazo para responder à reportagem. Assim que a resposta da instituição for recebida, será incluída, em atualização, aqui.

Fonte: Revista Cenárium