
Brasil – Acusados de liderar uma tentativa de golpe de Estado, Jair Bolsonaro e sete aliados agora são réus, no primeiro processo na história do Brasil para julgar um ex-presidente e militares de alta patente por conspirar contra as instituições democráticas. A partir da decisão unânime da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), por 5 votos a 0, os oito investigados terão que se defender em uma ação penal.
Heleno (Gabinete de Segurança Institucional); o ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos; o ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Alexandre Ramagem, atual deputado federal; e o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro que firmou um acordo de delação premiada.
Se forem considerados culpados na ação, que deve ser finalizada até o fim do ano, os oito acusados podem ser condenados a até 43 anos de prisão por cinco crimes: Abolição violenta do Estado Democrático de Direito (pena: entre 4 e 8 anos); Organização criminosa (pena: entre 3 e 8 anos, com até mais 4 anos pelo emprego de arma de fogo e até mais 5 anos pela participação de funcionário público); Golpe de Estado (pena: entre 4 e 12 anos); Dano qualificado pela violência e grave ameaça (pena: entre 6 meses e 3 anos); Deterioração de patrimônio tombado (pena: entre 1 e 3 anos).
A denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) é contra o chamado “núcleo crucial” da trama golpista. O grupo, segundo o Ministério Público Federal, teria se organizado para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) depois das eleições de 2022, esforço cuja “última esperança” teria se manifestado nos ataques às sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023, uma semana após o petista assumir o mandato.
Relator do caso, o ministro do STF Alexandre de Moraes ressaltou que a participação de Bolsonaro foi devidamente comprovada na denúncia e elogiou o trabalho da PGR:
— A denúncia descreve de forma detalhada todos os requisitos exigidos, tendo sido coerente a exposição dos fatos, com a descrição amplamente satisfatória dos fatos, da tentativa de golpe.
Moraes foi acompanhado pelos outros ministros da Primeira Turma do STF, Luiz Fux, Flávio Dino, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. A Corte ainda julgará se recebe a denúncia contra mais quatro núcleos da trama golpista. Ao todo, são 34 denunciados pela PGR por atentar contra as instituições democráticas. A próxima análise será sobre o núcleo de “ações táticas”, em abril. Depois, será a vez do núcleo de “gerenciamento de ações”.
Crença em fake news e corrente de oração
Bolsonaro acompanhou a sessão desta quarta-feira (26) na companhia do filho mais velho, o senador Flávio Bolsonaro, e de aliados antigos, como os ex-ministros Gilson Machado e Jorge Seif. O local escolhido foi o gabinete do primogênito, no 17º andar do prédio do Senado.
Ainda no início, ele recebeu a visita de outra ex-ministra, a senadora Damares Alves, que conduziu uma corrente de oração. Durante boa parte do tempo, o ex-presidente acompanhou a leitura dos votos dos ministros de olho no celular.
Como a Primeira Turma do STF decidiu seguir o julgamento sem intervalo para o almoço, Bolsonaro e seus convidados fizeram o mesmo e pediram comida de um nobre restaurante português de Brasília.
Bolsonaro iria presencialmente ao STF, como fez na terça-feira, mas desistiu por conta de uma fake news, como contou a jornalista Natuza Nery em seu blog no portal g1. A decisão se deu depois que começou a circular em seu entorno a informação, que não era verdadeira, de que ele poderia sair com tornozeleira eletrônica ao fim do julgamento.
‘Acusação grave e infundada’, diz Bolsonaro
Após virar réu pela suposta trama golpista, Bolsonaro atribuiu a denúncia da PGR à “criatividade de alguns”, disse apoiar manifestações pacíficas e negou ter tentado reverter o resultado das eleições de 2022, mas disse que “discutir hipóteses constitucionais” não é crime.
Na saída do Senado, de onde acompanhou o julgamento, o ex-presidente fez um discurso de 50 minutos ao falar com a imprensa, voltou a colocar em dúvida o sistema eleitoral, defendeu o voto impresso e atacou Alexandre de Moraes, relator do caso no STF.
— Vivemos um momento de intranquilidade por causa da criatividade de alguns — disse ele, em referência ao Judiciário: — A acusação (da trama golpista) é muito grave e infundada. Discutir hipóteses de dispositivos constitucionais não é crime.
Questionado, então, se ele de fato havia discutido a possibilidade de retomar o poder, Bolsonaro não respondeu.
Sobre o “quebra-quebra” de 8 de janeiro de 2023, Bolsonaro sustentou que não se tratou de uma tentativa de golpe. E falou:
— As manifestações pacíficas sempre serão bem-vindas. Mas os nossos métodos (da direita) não podem ser o da esquerda, como invasão de propriedade.
Ele afirmou que não tem relação com os atos de 8 de Janeiro, argumentando que estava nos Estados Unidos na ocasião:
— Uma das acusações contra mim é de destruição de patrimônio. Só se for por telepatia. Os militares estavam de férias. Discutir hipóteses de dispositivos constitucionais não é crime. Os comandantes jamais embarcariam em uma aventura.