
A maior tragédia da aviação comercial da América Latina é revisitada em Congonhas: Tragédia Anunciada, série documental que estreia nesta quarta-feira (23/4) na Netflix. A produção mergulha nos bastidores do acidente com o voo 3054 da TAM, que matou 199 pessoas em julho de 2007 no aeroporto de Congonhas, em São Paulo.
O segundo episódio da série, intitulado O Ar, revela como o desastre aéreo abalou o governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em meio a uma crise já instalada no setor aéreo. Com base em depoimentos de familiares das vítimas, profissionais da aviação e integrantes do alto escalão do governo da época, o documentário retrata o clima de tensão e as duras críticas direcionadas ao Palácio do Planalto.
Na época, o país vivia um colapso no sistema aéreo: atrasos constantes, filas nos aeroportos e uma greve dos controladores de tráfego geravam forte pressão sobre o Executivo. A tragédia em Congonhas ampliou o desgaste político do governo.
Condição da pista e falhas técnicas
Um dos pontos centrais abordados no episódio é a polêmica em torno da pista de pouso de Congonhas. Reformada pouco antes do acidente, a pista estava sem as ranhuras (grooves) que evitam aquaplanagem, mesmo em dias de chuva. A ausência do sistema de drenagem levantou questionamentos sobre a responsabilidade do governo federal e da Infraero na liberação da pista.
Apesar das falhas estruturais, relatórios do Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos) indicaram erro de procedimento dos pilotos. Segundo os documentos, os comandantes mantiveram o manete direito em potência de subida (CLB), enquanto o esquerdo foi colocado em marcha lenta (IDLE). O resultado foi que um motor continuava freando, enquanto o outro seguia em aceleração, o que dificultou o pouso.
Impacto político e críticas
O documentário também destaca o impacto político do acidente. Segundo a assessora especial Clara Ant, Lula só se pronunciou após reunir ministros e ouvir especialistas da aviação. “Ele queria saber tudo que era possível sobre o acidente antes de se manifestar publicamente”, relata.
Ainda assim, a demora de três dias para um posicionamento oficial gerou críticas da imprensa e da oposição, que tentaram vincular diretamente o episódio ao presidente. “Era nitidamente um pool de acusações para responsabilizar Lula pela tragédia”, afirma Clara. Manchetes da época chegaram a acusar o governo de ter “assassinado” mais de 200 pessoas.
A narrativa começou a mudar após a divulgação de um vídeo pela Infraero, que mostrava a aeronave pousando em alta velocidade, o que dificultaria a frenagem mesmo com condições ideais da pista.
Dor, espera e confronto
Além do impacto técnico e político, a série humaniza a tragédia ao retratar a dor dos familiares das vítimas, a longa espera pela identificação dos corpos — que em alguns casos durou até 30 dias — e os embates entre parentes e representantes da TAM.
Congonhas: Tragédia Anunciada reconstrói não apenas os erros e decisões por trás do acidente, mas também o trauma coletivo que marcou o Brasil.