
Em Aracaju, a comunidade do terreiro Ìlé Àé Ìyá Ún precisou se mobilizar às pressas há quase dois meses após o espaço ser invadido, depredado e furtado. Geladeira, fogão, máquina de costura e outros itens do cotidiano foram levados, além de objetos sagrados destruídos e profanados.
Em novembro, em São Paulo, um simples desenho infantil da orixá Iansã gerou a presença de policiais armados em uma escola pública, depois que o pai de uma aluna reclamou da atividade. Ambos os episódios são exemplos do que especialistas classificam como racismo religioso — violência direcionada a religiões de matriz africana, que vai além da intolerância e expõe seu componente racial.
Para medir a dimensão desse fenômeno no país, a pesquisa Respeite o Meu Terreiro 2025 ouviu integrantes de 511 casas religiosas. O levantamento mostra que 80% dos terreiros já sofreram racismo religioso nos últimos dois anos. Agressões verbais, xingamentos, ataques diretos e abordagens policiais discriminatórias estão entre os episódios mais relatados.
No total, 76% dos espaços afirmam ter passado por alguma forma de violência, e 74% relatam ameaças, depredação ou destruição, como o ocorrido no terreiro de Aracaju. A perseguição também acontece no ambiente digital: 52% dizem ter sofrido ataques ou assédio nas redes sociais, onde muitas casas mantêm perfis para divulgar atividades.
Apesar da gravidade, a maioria não consegue recorrer ao Estado. Menos de 30% registraram boletim de ocorrência.
A pesquisa é uma iniciativa da Renafro e do terreiro Ilê Omolu Oxum, em parceria com o Ministério dos Direitos Humanos, e seus resultados foram apresentados na ONU, na Suíça, na última quinta-feira (4). No relatório, Mãe Nilce, responsável pelo estudo, destaca que a violência contra terreiros persiste há décadas e hoje é alimentada por campanhas articuladas por grupos religiosos — em alguns casos ligados ao narcotráfico e à milícia.
Segundo os pesquisadores, políticas públicas eficazes e maior conscientização social são essenciais para garantir direitos e proteger essas comunidades. A pesquisa será realizada a cada dois anos para monitorar a evolução da violência e mapear formas de resistência.
O racismo religioso é crime no Brasil, com pena de dois a cinco anos de prisão, além de multa. As denúncias podem ser feitas pelo 190, em qualquer delegacia, ou pelo Disque 100 de forma anônima e gratuita.







