A estrutura da fábrica descoberta pela Polícia Federal (PF) em Santa Bárbara d’Oeste, no interior de São Paulo, impressionou até os investigadores mais experientes. De acordo com laudos técnicos, o espaço — registrado oficialmente como uma empresa de peças aeroespaciais, mas utilizado para a fabricação de armamentos — tinha capacidade para produzir cerca de 3.500 fuzis por ano, o equivalente a dez armas por dia em operação integral.

O perito responsável pelo relatório técnico descreveu o local como uma “estrutura industrial com padrão de linha de montagem”.

“A planta dispõe de centros de usinagem capazes de produção em série, com fluxo contínuo e trocas rápidas de ferramenta. O nível técnico é compatível com o de uma metalúrgica de precisão”, afirmou o engenheiro da PF, Gustavo Mendes de Azevedo.

As investigações apontam que parte das armas fabricadas no local era destinada a facções criminosas, entre elas o Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro.

A fábrica por dentro

O galpão onde funcionava a empresa Kondor Fly, usada como fachada, reunia centros de usinagem de Controle Numérico Computadorizado (CNC), tornos de alta precisão, fresadoras digitais e estações de acabamento.

Os peritos destacaram que o arranjo das máquinas seguia o mesmo padrão de uma linha de produção industrial, com setores separados por função — corte, acabamento, montagem e embalagem.

No estoque, a PF encontrou blocos de aço 4140 e alumínio 7075, materiais usados na fabricação de fuzis e pistolas. Os insumos eram comprados em pequenas quantidades e em nome de terceiros para não levantar suspeitas.

“A aquisição fragmentada e a emissão de notas por diferentes CNPJs foram estratégias claras de ocultação do fluxo de materiais”, aponta o relatório policial.

Linha de montagem dos fuzis

O processo de produção começava nos computadores de Anderson Custódio Gomes, apontado como o cérebro da operação. Ele utilizava softwares industriais como MasterCam e Fusion 360 para criar arquivos digitais com medidas exatas de canos, gatilhos e receptores de fuzis do tipo AR-15.

Os códigos eram então enviados para as máquinas CNC, que cortavam o metal de forma automática. Em seguida, Janderson Aparecido Ribeiro de Azevedo, operador de máquinas, ajustava as peças e testava os encaixes.

“O Anderson pedia pra eu ver se a peça encaixava. Eu achava que era parte de drone. Nunca vi arma pronta”, disse Janderson em depoimento.

As peças usinadas passavam por polimento e eram separadas em conjuntos prontos para montagem. No fim do turno noturno, tudo era embalado e levado para um depósito em Americana, de onde saíam os lotes vendidos sob encomenda.

“Os registros telemáticos mostram padrão comercial: pedidos, confirmações e recebimentos. Não era produção artesanal, era uma linha de montagem completa”, concluiu o relatório de análise da PF.

Divisão de tarefas e disfarces

Segundo o relatório, cada integrante tinha uma função definida. Anderson Custódio Gomes era o programador e projetista; Janderson Azevedo, o operador responsável pelos testes; Wendel dos Santos Bastos, o encarregado da logística e das compras; e Gabriel Carvalho Belchior, o dono da fábrica, que permitia o uso das máquinas durante a noite.

Belchior afirmou em depoimento que desconhecia a finalidade real da produção.

“Eles disseram que iam testar peças aeronáuticas. Eu jamais imaginei que usavam minhas máquinas pra isso”, declarou.

No entanto, notas fiscais obtidas pela PF mostram que a empresa de Belchior comprava ferramentas específicas como microfresas e brocas de precisão, utilizadas na confecção de componentes de armas de fogo.