Embora o coronavírus não tenha infectado a todos, suas sequelas, principalmente econômicas, foram sentidas por toda a população do planeta. Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Produto Interno Bruto (PIB) mundial caiu 4,9%, em 2020, número similar ao alcançado durante a Segunda Guerra Mundial. Já o Brasil viu a soma da sua produção econômica de 2020 cair em 6,5%, o pior resultado em 120 anos. No meio desta tempestade em alto mar é que as pequenas empresas amazonenses tentam, a nado, sobreviver.

O motivo para tanta dificuldade é a instabilidade característica dos pequenos negócios, como mostra a pesquisa do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Com o título ‘O impacto da pandemia de coronavírus nos pequenos negócios’, os dados revelaram que 73,4% dos empreendedores já não iam bem financeiramente antes da pandemia.

Somado a essa insegurança econômica, pequenos empreendedores sofreram ainda com burocracia para efetuar empréstimos e também foram a menor parcela em pacotes federais de estímulo econômico. Como mostrou uma reportagem do EM TEMPO, segundo o Sebrae, cerca de 60% dos pequenos negócios tiveram pedidos de créditos negados.

Segundo o próprio governo federal, os setores econômicos mais afetados durante a pandemia foram os de atividades artísticas, transportes, turismo, comércio, aluguéis, saúde privada, telecomunicações, dentre outros.

Os favorecidos ou ‘menos afetados’ são os serviços de streamming (como Netflix), plataformas de trabalho remoto, fitness digital, delivery de comida e supermercado, e comércio eletrônico, segundo a revista de negócios Forbes.

Exceções à crise (ou não)

Apesar dos dados acima, houve ainda alas do setor de serviços e comércio que se saíram ‘bem’ durante a crise econômica gerada pela pandemia. Os negócios que se reinventaram com delivery ou atendimento virtual puderam escapar de parte dos prejuízos financeiros.

Segundo o Sebrae, quase metade das pequenas empresas (41,9%) começaram a atuar apenas de forma virtual, o que facilitou o caminho para os negócios que já se utilizavam da internet para funcionar antes da pandemia.

Lojas mais tradicionais, não muito ligadas ao mundo virtual, saíram prejudicadas. Segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), quase 135 mil lojas de roupas e calçados fecharam definitivamente as portas em todo o Brasil, só no segundo semestre de 2020.

Na contramão, comércios on-line, como brechós, tiveram um bom desempenho mesmo nos meses mais difíceis para a economia (entre março e junho). Um exemplo é o impacto econômico no Act Brechó, do jovem empreendedor Luduik de Souza Alves, de 20 anos.

Luduik, jovem empreendedor no ramo de brechós | Foto: Arquivo pessoal

“O mercado virtual cresceu muito nesse ano porque as pessoas se sentiam inseguras para fazer compras em lojas físicas. O ritmo de vendas aumentou sim, em especial a quantidade de pessoas que entravam em contato com o brechó”, comenta ele.

Apesar disso, o jovem ressalta que houve uma ‘crise dentro da crise’. Segundo ele, embora as vendas tenham aumentado, os estoques passaram por dificuldades de abastecimento.

“A gente precisa de fornecedor, de peças para revender, e principalmente em março, abril, maio e junho, muitas feiras de brechós não funcionaram, e isso não aconteceu só comigo, mas também com outros donos de brechós. Ficamos todos sem estoque”, comenta Luduik.

Justamente pela falta de eventos de brechós, ele também ficou prejudicado nas vendas físicas.

“Embora minha loja seja virtual, vez ou outra eu participava de eventos para vender as roupas fisicamente, no entanto, a pandemia impediu que isso ocorresse também, o que afetou consideravelmente as vendas”, afirma o jovem.

Delivery para salvar o negócio

Outra empreendedora que sentiu impactos positivos e negativos foi Francinete Cardoso, dona de um lanche no bairro Lírio do Vale, Zona Oeste de Manaus. Para tentar vencer o fechamento das atividades não essenciais, a empreendedora apostou no sistema de entrega.

“Já atuávamos no delivery, mas durante a quarentena, a partir de março, passamos a focar apenas nessa modalidade de atendimento. Tivemos de reduzir o quadro de funcionários, ma na contramão, tivemos um aumento de pedidos de entrega e de clientes até maior do que antes da pandemia”, relata Francinete.

Francinete conseguiu manter seu negócio durante a crise | Foto: Brayan Riker

Embora esteja no grupo dos que ‘se deram bem’ durante a crise, em especial na quarentena, a empreendedora ressalta que desde já agosto já sente os efeitos da inflação que encareceu o preço dos produtos nos supermercados.

“Os momentos mais difíceis foram de agosto para cá, porque nos deparamos com um aumento rápido no valor dos produtos. Todos os dias que vamos ao comércio, vemos alta e precisamos refazer nossos cálculos e mudar o preço dos lanches que vendemos. É complicado porque os clientes se chateiam, mas tentamos explicar o atual momento, a crise”, afirma a empresária.

A dificuldade vivida por Francinete nos supermercados já é atestada em pesquisas econômicas. Segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), os alimentos aumentaram de valor em 12,14% nesse ano. Só em novembro, a alta foi de 0,89%, maior número em cinco anos.

Impacto para os trabalhadores

Não é possível falar das pequenas empresas sem citar os trabalhadores, informais ou não. Isso porque micronegócios são responsáveis por 54% dos empregos formais no país, segundo o Sebrae. Por causa disso, as dificuldades sentidas pelos pequenos empresários refletiram no desemprego do país.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), até outubro, o Brasil contava com 14,1 milhões de desempregados. Em janeiro, antes da pandemia, o mesmo número era de 11,9 milhões.

A manicure Islene Maia trabalha está no setor há 12 anos e atualmente trabalha em um salão de beleza em Manaus. Ela conta que ficou parada por mais de quatro meses durante o auge da primeira onda de Covid-19 na cidade, entre março e final de junho.

Islene, manicure em um salão de beleza de Manaus | Foto: Arquivo pessoal

“Me prejudiquei pelo fato de que no final do mês não tinha dinheiro para comprar o que minha família necessitava. Só não ficou pior porque a outra pessoa que provém a casa não deixou faltar”, conta a trabalhadora.

Islene conta que tentou sacar o auxílio emergencial no período, mas não conseguiu porque “ficou em análise e nunca saiu”, então ela desistiu. A sua renda só retornou a partir de junho, quando a manicure passou a atender a domicílio e também retornou ao salão.

Embora o desemprego tenha aumentado na pandemia, segundo pesquisa do Sebrae, apenas 18,1% precisaram fazer demissões para manter os negócios, ainda que gastos com folha de pagamento representem 57,1% dos gastos de uma empresa pequena. Apesar do número ‘positivo’, há de se observar que ele diz respeito apenas às contratações formais, realidade ainda distante de boa parte dos pequenos negócios.

A crise econômica ainda não acabou, mas seus impactos – e os que sofreram com eles – seguirão rumo a uma tentativa de recuperação, mesmo com inflação e desemprego previstos para o ano de 2021, já chamado de ‘2020: parte dois’.