Em meio às notícias de uma vacina eficaz contra o novo coronavírus, quase passou batido outra super novidade no âmbito da ciência. Está em fase três um imunizante que pode reduzir em 67% o risco de contaminação por HIV, outra pandemia que assola o mundo. O estudo internacional é conduzido por pesquisadores da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, e tem parceiros nas Américas e na Europa, inclusive em Manaus.
Na capital do Amazonas, a pesquisa é realizada na Fundação de Medicina Tropical Dr. Heitor Vieira Dourado (FMT-HVD). A unidade já é conhecida por amplos ensaios sobre o tema, e, além disso, é referência no tratamento e prevenção ao HIV, no Norte do Brasil.
O novo estudo da vacina contra o HIV até então foi testado apenas em macacos, onde se atesta êxito de 67% na imunização. Descobriu-se, também, que, nos seres vivos, a tecnologia não causa efeitos colaterais graves.
A propósito, a engenharia por trás da nova vacina é o chamado Adenovírus 26, um pequeno material genético capaz de carregar a informação de como produzir proteínas do HIV, o que também faz com que o sistema imunológico do corpo passe a produzir os anticorpos para o vírus.
Quem explica os detalhes do estudo chamado ‘Mosaico’ é Marcus Lacerda, médico infectologista e pesquisador responsável pela pesquisa em Manaus. Leia a entrevista completa abaixo:
EM TEMPO: quantas pessoas já se candidataram para a pesquisa? Como está a procura?
Marcus Lacerda: boa quantidade de pessoas preencheram o pré-cadastro no site do Instituto de Pesquisa Clínica Carlos Borborema Amazonas (IPCCB), para se candidatar ao estudo, mas nem todos têm critério para participar. É preciso estar atento aos critérios de participação: homens que fazem sexo com homens e/ou pessoas trans com idade entre 18 e 60 anos.
ET: O senhor pode resumir, apenas para que todos possam entender, em qual estágio está a vacina, e por quais ela já passou? Após essa fase atual, qual será a próxima?
M.L: Mosaico é um estudo clínico de fase 3 para testar a eficácia de um regime preventivo de vacina contra o HIV.
ET: o que é e como ocorre o processamento das amostras biológicas no IPCCB?
M.L: o laboratório de pesquisa do IPCCB possui equipe composta de biólogos, farmacêuticos, biomédicos e enfermeiros treinados para realizar as atividades de todos os estudos conduzidos nas nossas instalações. As amostras coletadas dos participantes dos estudos são processadas e armazenadas em freezers 80 °C, com sistemas automatizados de controle de temperatura.
ET: apenas essa fase da pesquisa será realizada em Manaus ou às próximas poderão ter mais contribuição daqui? Há previsão sobre isso?
M.L: é preciso aguardar os resultados desse estudo para prever novas etapas. Mas como se trata de uma fase III [final na pesquisa], se houver benefício, a vacina poderá ser registrada pelos países e usada na rotina de prevenção.
ET: por que a pesquisa escolheu Manaus? Há algum motivo específico, como, por exemplo, os dados de contaminação por HIV com pouca queda na região Norte?
M.L: Manaus apresenta alta prevalência de HIV e grande parcela da população procura a Fundação de Medicina Tropical Dr. Heitor Vieira Dourado (FMT-HVD) para diagnóstico e tratamento. Além disso, o IPCCB possui infraestrutura e equipe experiente na condução de ensaios clínicos com patrocínio nacional e internacional.
ET: qual foi o seu primeiro contato com a pesquisa?
M.L: Manaus já é um dos maiores centros de pesquisa em HIV do Brasil e é natural que nosso centro seja escolhido para o desenvolvimento de drogas e vacinas que estão sendo desenvolvidas.
ET: imagino que essa seja uma dúvida simples de se responder, mas que pode ser recorrente no pensamento dos que pretendem se candidatar. Há algum risco de voluntários contraírem HIV durante a testagem da vacina?
M.L: o regime vacinal contra o HIV que está sendo testado é feito de partes sintéticas (fabricadas em laboratório) do HIV. Por isso, não pode causar infecção pelo HIV.
ET: como os pacientes serão assistidos no processo?
M.L: os participantes do estudo farão visitas de acompanhamento que poderão ocorrer por pelo menos 30 meses. Nas visitas os participantes realizarão exames e consulta com a equipe de saúde do estudo.
ET: deve ser difícil apontar algum tipo de expectativa ao se trabalhar com pesquisa científica, mas dada a importância dessa vacina, como o senhor se sente em relação ao otimismo?
M.L: creio que estamos cada vez mais perto de chegar em uma vacina que consiga complementar as demais formas de prevenção contra esse vírus com o qual já convivemos há mais de 40 anos.
Fonte: Em Tempo






